quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Conciliábulo


Conciliábulo

Friamente mataram-no. Não por  piedade nem vingança. Mataram-no em nome da necessidade.
Ana defendeu-se com escusas lacrimosas. Quarenta anos de infelicidade. Só entrega em juras de amor e, em seguida, remorso nas despedidas; casamento fôra lenda insana. Sorte nunca a acompanhou; não pôde evitar, por amor fez o que fez.
Imerso em seus pensamentos, José suspira suas dores. Sempre foi o último eleito; ninguém acreditava em seus predicados. O fracasso era uma doença que roía-lhe os olhos- visão certa quanto carniceiros sobrevoando um próspero moribundo. Teve direito de querê-lo assim; assim estava justo, ele creu.
As crianças, sorrindo, confabulam sobre o fato. " Ele mereceu o castigo. Era carrasco por demais... Onde já se viu tantas proibições? Criança precisa de espaço."
Cláudia, farta em adjetivos e carnes, exalta-se. Bem feito para ele. Quem manda ridicularizar as pessoas? Esse é o preço a quem se satisfaz com decepções alheias; a condenação a quem delega anseios e medos diante dos críticos espelhos.
Os velhos, bengalas em riste, vociferam pragas." Desgraçado! Nunca mais será o mesmo; terá a mesma sina dos encarquilhados seres! Covarde sem escrúpulos! Assassinar nossos filhos foi desleal...Que todo o mal da Terra recaia sobre você, sua múmia vigilante!"
Um namorado, quilômetros afastado da amada, choraminga." Crápula! Por sua culpa, estou neste cárcere, longe dos meus sonhos. Nas trevas me encontro; respiro o vento do abandono, o inferno da inquietação solitária, Canalha! Seu fim será lindo como um verme!"
E, naquele domingo chuvoso e insosso, perante os olhos incrédulos, o cadáver despertou. Maliciosamente, fitou a todos; guardou-lhes as expressões passivas de espanto. Revelou-se: era o Tempo, o dono dos destinos e, em segundos seculares, novamente os matou. 

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